O Projeto de Assentamento Pastorinhas está localizado no município de Brumadinho, região metropolitana de Belo Horizonte. A terra foi comprada pelo governo federal para fins de Reforma Agrária, ao ser caracterizada como média propriedade improdutiva que não cumpria as suas funções sociais. A criação do Assentamento Pastorinhas foi assinada pelo Incra em 2006. Tem 156 hectares de área, possui 142 hectares de Mata Atlântica e em 14 hectares que estavam sendo usados para monocultura do capim hoje são plantados hortifrutigranjeiros. A maioria das famílias que vive lá é formada por trabalhadores e trabalhadoras rurais que atuavam como diaristas ou meeiros nas propriedades próximas.
Há cinco anos, 120 famílias de trabalhadores rurais Sem Terra acamparam na beira de uma Fazenda improdutiva de 156 hectares, área do condomínio da Família Menezes, no município de Brumadinho.
Foram três anos debaixo da lona preta, “comendo poeira”, sofrendo pressões de poderosos da região. Foram despejados duas vezes. Ficaram no meio das voçorocas do Tejuco, provocadas pela mineradora MBR, e no meio de pó do britador da Mineradora Vale do Rio Doce.
Cansados de esperar que o Incra vistoriasse a fazenda e a desapropriasse ou a comprasse, há dois anos ocuparam a fazenda, que recebeu o nome de Assentamento Pastorinhas em homenagem às mulheres que são, de fato, pastorinhas. “O bicho mais forte e resistente que existe”, diz uma assentada.
Quando o então juiz da Vara Agrária, Renato Dresch, chegou para visitar a terra ocupada, os trabalhadores e trabalhadoras Sem Terra já tinham plantado hortaliças nos 14 hectares que estavam, antes, com capim brachiara. Tudo em mutirão e trabalho coletivo. O juiz ficou sensibilizado e não autorizou a expulsão das famílias. O Incra, pressionado pelos Sem Terra, comprou a fazenda e fez concessão de uso para as famílias.
Hoje, o Assentamento Pastorinhas é formado por uma comunidade de 20 famílias, oriundas de 12 municípios e de quatro estados diferentes da federação, o que configura uma grande diversidade cultural. As outras famílias que ocuparam a área não aguentaram o tranco e acabaram desistindo. Foram seduzidas pelas ilusões e tentações da cidade grande. Hoje, estão sobrevivendo nas favelas.
Entre as principais dificuldades encontradas pelas famílias, estão o acesso a créditos para produção, comercialização e infra-estrutura - já que o assentamento ainda não tem moradias construídas, luz elétrica e saneamento. A maioria das famílias ainda está em barracos de lona preta. Elas se organizam através de grupos de produção, onde existe um representante eleito democraticamente pelo grupo e que faz parte de uma coordenação geral da área.
Os únicos créditos que as famílias puderam acessar até agora foram o PSA – Programa de Segurança Alimentar - de R$ 180,00 e o PEA – Programa Exploração Anual - de R$2.400,00 por família. O crédito habitação – 7 mil reais – está parado no Banco do Brasil, há três anos, por falta de licença ambiental do Instituto Estadual de Floresta – IEF – pela demora interminável do Incra em aprovar o PDA – Projeto de Desenvolvimento de Assentamento. Revoltante é que para desflorestar para minerar, sob ordens da Vale, não há o entrave ambiental e nem burocrático! Esses entraves acabam tornando mais dura a labuta dos/as trabalhadores/as e dos seus filhos/as. “Trabalhamos de 7 da manhã às 18 horas e ainda não podemos chegar em casa e tomar um banho quente por falta de uma casa e de energia”, desabafa Valéria Antônia Silva, uma das lideranças do Assentamento, que fez o curso de Técnica Agrícola na Escola Helena Antipoff.
Um oásis produtivo e preservado
Quando os Sem Terra lá chegaram, 142 hectares eram de mata fechada que continua intacta; os outros 14 hectares já estavam desmatados e usados só pela monocultura do capim. A única árvore frutífera que encontraram foi um pé de abacate. Acabou virando um monumento preservado pelos trabalhadores rurais. A fazenda estava abandonada. Não cumpria sua função social. Hoje, já plantaram, entre outras frutas, amora, jabuticaba, acerola, maracujá, goiaba, pêssego, laranja, banana, manga, mexerica. Tudo nas laterais das vias de trânsito, nos 14 hectares totalmente ocupados com mais de 30 tipos de verduras e legumes. Optaram por plantar à beira dos caminhos para não ter de desmatar mais. A mata fechada preservada abriga 16 colméias que produzem mel nas floradas do assa-peixe, do cipó São João e da copaíba, que resulta em um mel medicinal.
Se o Incra não tivesse comprado a terra e repassado para os Sem Terra, a fúria infinita das mineradoras já estaria detonando o santuário ecológico que são os 142 hectares do Assentamento Pastorinhas. “Se não mudarmos o modelo econômico, daqui a 15 anos a fome e a miséria vão assolar a região de Brumadinho, pois aqui só tem mineração para mais 15 anos. Enquanto tem mineração, há poucos empregos, assistência social para os excluídos e uma grande campanha publicitária das mineradoras que tentam convencer o povo de que mineração é coisa boa, mas sabemos que minério só dá uma safra e que agricultura familiar, com adubação orgânica e agroecológica, em trabalho coletivo, conforme fazemos, é o que pode nos dar infinitas safras, pois lidamos com a terra considerando-a mãe, viva e sagrada”, alerta uma assentada.
“Nossos filhos estavam anêmicos, mas foi só começarem a comer os alimentos produzidos com adubação orgânica e agroecológica, graças a Deus, estão todos bem nutridos, o que é atestado pela Pastoral da Criança”, informa outra assentada.
Há três anos as famílias do Pastorinhas não recebem mais nenhuma cesta básica. Pelo contrário, doam verduras para creches, asilos e para as duas escolas onde as 30 crianças do Assentamento estudam. Após irem a pé, na poeira sob o sol ou no barro sob chuva, com muita luta, conseguiram que a prefeitura enviasse um microônibus para levar as crianças para a escola que fica lá na cidade.
As 30 crianças do Assentamento estão fazendo a diferença nas duas escolas onde estudam. Ana Clara, 7 anos, quando é questionada sobre o futuro, aprendeu com a vida a responder: “Quando eu crescer, quero ser Sem Terra como mamãe e papai. Aliás, já sou Sem Terrinha”. Maria Alice, que cursa quinta-série, disse que a professora lhe perguntou quem tinha descoberto o Brasil. Ela respondeu: “Foram os índios. Pedro Álvares Cabral explorou e escravizou”.
Além de produzirem milho, feijão, arroz, mandioca, ovos e frango caipira, os Sem Terra estão plantando mais de 30 variedades de hortaliças e legumes: inhame, chuchu, jiló, pepino, abobrinha, acelga, agrião, alecrim, alface de diversos tipos, alho poró, almeirão, beterraba, brócolis, cebolinha, cenoura, serralha, chicória, coentro, couve, couve-flor, espinafre, manjericão, mostarda, pimentão verde, quiabo, rabanete, repolho, rúcula, salsa, taioba, tomate cereja. Que diversidade! Tudo com adubação 100% orgânica e agroecológica. Mais: com trabalho coletivo e em um profundo espírito socialista.
O Assentamento Pastorinhas é “um oásis no meio do deserto”, pois de um lado, um fazendeiro, proprietário de Faculdade ASA e eleito prefeito de Brumadinho para os anos 2009 a 2012, passou tratores em cima da mata fechada e plantou capim. Derrubou a cerca que fazia a divisa com o assentamento e alegou que a mata do assentamento Pastorinhas era reserva da fazenda dele. Diz ter seguido orientação da polícia para se livrar de uma grande multa. Um ano já se passou e ainda não refez a cerca. Do outro lado, estão as voçorocas e as crateras deixadas pela MBR na mina do Tejuco. Os tratores e as escavadeiras da Vale do Rio Doce roncam dia e noite em várias minas, arrancando das entranhas da mãe terra o minério que é exportado pelo mesmo preço da água no mercado internacional. As mineradoras, lideradas pela Vale, dizem ter concessão de lavra sobre quase todas as terras da região.
O Assentamento Pastorinhas nos autoriza a responder “a todo pulmão” àqueles que ainda dizem que a Reforma Agrária não dá certo. Quem ainda duvida, basta olhar do alto do Assentamento Pastorinhas. De um lado, os empreendimentos capitalistas, que “prometem” gerar muitos empregos, mas deixa atrás de si uma enorme destruição e fecha as portas do futuro. Do outro, pessoas que criaram e estão tornando efetivas as oportunidades de trabalho e renda para vinte famílias, tornando-as cada vez mais comprometidas com a comunidade e com o futuro não apenas de seus filhos, mas os de todos - inclusive os filhos de pais de alto poder aquisitivo que agora estão comendo alimento saudável. Comprometidas também com a preservação dos bens naturais, especialmente solo e água, e apostando em atividades que não dão uma safra só.
Após horas de caminhada por entre as hortaliças e legumes, no almoço comunitário, feito com muito amor por “pastorinhas”, quase todos os finais de semana, estudantes universitários e pessoas de bem saboreiam a gostosura que os olhos já contemplaram. Inesquecível! Muito melhor que ler este texto é ir lá ver com os próprios olhos. Quem vê fica tão feliz que se torna parceiro.
Fonte: MST
Foto: Sebastião Salgado
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